Sancta Anna – Ora Pro Nobis – 1901. São Cristóvão veio 63 anos após.

A devoção à Sant’Ana na região do atual Bairro Abranches é quase bicentenária, pois chegou por aqui bem antes dos polacos que se instalaram apenas a partir do final de 1873.

Conforme publicamos na edição 227, novembro de 221, página 05 da Gazeta do Abranches (vide site https://gazetadoabranches.com/index.php/edicoes/), quando os polacos chegaram na região, então conhecida como Campos de Santana, Quarteirão do Pilarzinho, de acordo com registros em publicações de época, já havia uma Capela de adobe e coberta com folhas de palmeira e capim. Esta capela já era devotada à Sant’Ana, cultuada como avó de Jesus, e no rústico altar havia uma imagem barroca de madeira, que servia como referência a estes moradores da região e tropeiros que por aqui passavam em direção ao abatedouro municipal, situado à época onde hoje está o Bosque do Papa, no Centro Cívico, com suas tropas e gado.

O jornal Dezenove de Dezembro, edição do dia 19 de novembro de 1973, trouxe na sua página 3, “Visita – Em o dia 16 S. Ex. o Sr. presidente da província visitou a colônia – Abranches – onde estão sendo estabelecidos os imigrantes polacos”.

Novamente o Dezenove de Dezembro, que era uma espécie de diário oficial da época, noticiou em sua edição do dia 22 de abril de 1874, na coluna de despachos do Presidente da Província com a tesouraria. “- A mesma – Ao agente de colonização nesta capital mande v. s. entregar, por conta do credito de que trata a ordem do tesouro n. 67 de 19 de Novembro do anno passado, a quantia de 700U de que oportunamente prestará contas, a fim de ser aplicada nos reparos da capella de Sant’Anna, na colônia Abranches-Communicou-se ao agente de imigrantes da capital”.

Estas duas publicações acima são a prova inequívoca da existência de uma capela por aqui, quando os polacos chegaram, tanto que o Presidente Abranches visitou a colônia dia 19 de novembro e a encontrou em mau estado de conservação, mandando-a reformar. A quantia de 700U correspondia a 700.000,00 reis, moeda da época.

A 25 de agosto de 1875 encontramos publicada a ordem do Ministério da Agricultura, para através do Governo da Província se nomear o Pe. Mariano Grzenski, capelão da Colônia Abranches e construir-lhe uma casa (atual salão Pe. Henrique) porque ele foi também nomeado professor da colônia. Embora a construção da residência/escola foi efetivada apenas em 1876, conforme publicações em nosso poder.

Dia 11 de fevereiro de 1893, após uma campanha iniciada ainda em 1878 por um grupo de trabalho criado pelo Pe. Ladislau Grabowski, capelão na época, finalmente se inaugurou, a nova Igreja Sant’Ana de Abranches, que tinha no momento a liderança do capelão Pe. André Dziatkovies. Posteriormente foi se ampliando o templo, com construção de naves laterais, termino da torre, construções das laterais aos pés da torre, ampliação do presbitério e sacristias, colocação de bancos etc.

A primeira Festa Religiosa em honra à Sant’Ana que encontramos registro aconteceu dia 28 de julho de 1901 e a seguir transcrevemos a matéria do jornal diário A Republica, do dia 29 de julho de 1901: “Na Colonia AbranchesÉ sem duvida esta uma das mais florescentes e prosperas colônias dos arredores de Curityba. Sendo uma das primeiras fundadas, apresenta hoje o aspecto de um centro agrícola de primeira ordem, com o seu território perfeitamente povoado e cultivado. A população como é sabido é na sua maioria polaca.

Hontem tivemos occasião de visitar essa colônia, assistindo uma imponentissima e severa solemnidade religiosa. Accudiu a essa festa uma multidão immensa de colonos, ficando os arredores da bella ermida de Sant’Anna coalhada de carros, carroças e cavallos, por entre os quaes formigavam milhares de homens, mulheres e creanças, todos em suas toiléttes dos dias de gala. O templo é um dos mais bellos e espaçosos de quantos possuem as colônias. Com o maior silencio e respeito assisti aquella multidão a missa cantada, que foi celebrada pelo padre João Mietus, cura da egreja do Campo Comprido.

O magnifico coro de vozes mixtas foi acompanhado ao órgão pelo professor João Tralka, um moço de bastante talento musical e que já organizou na florescente colônia uma oschestra e uma banda de música. Os officios religiosos foram dirigidos pelo rev. padre Leão Niebieszczanski, capelão da colônia Abranches, e a cuja dedicação religiosa deve-se o grau de explendor e respeito que tem alli atingido as pompas do culto. Após a missa houve predica e imponente procissão, que percorreu os arredores da egreja, sempre debaixo de edificante belleza dos puríssimos cânticos espirituaes, entoados pelos fieis.

Quanta grandeza não achamos nós nessas demonstrações sinceras e respeitosas de verdadeiro culto e legítima crença?

Quando terminaram as cerimonias religiosas e que os sinos repicaram alegres, em despedida dos fieis que partiam, fomos conduzidos pelo incansável e amável sr. cura padre Leão Niebieszczanski até sua residência parochial. É uma vivenda encantadora, escondida por traz de abundante pomar e no centro de um pitoresco e alegre jardinsinho.  Tudo nesta casa hospitaleira revela o coração de seu chefe”.

E os jornais do dia 26 de julho de 1902 trazem em suas colunas sociais o seguinte aviso em destaque: “Amanhã será celebrada a festa de Sant’Anna, na capella da Colônia Abranches”, uns com mais, outros com menos destaque, anualmente os jornais noticiam as festas de Sant’Ana na nossa Igreja ao longo dos anos. Considerando que apenas em um dos anos da II guerra mundial e em 2020 não a fizemos, o correto é comemorarmos este ano a 119ª Festa de Sant’Ana na Paróquia Abranches.

Um dos padres do passado que mais empreenderam foi o Pe. José Joaquim Goral, o qual esteve à frente da administração da paróquia por 31 anos, mas também houve aqueles que contribuíram para deixar polêmicas, como a mal contada, ou justificada, viagem da nossa imagem da Imaculada Conceição de Nossa Senhora, que tendo sido adquirida no conjunto do altar mor em 1912, juntamente com as imagens do Sagrado Coração de Jesus e São José, da Austria, foi levada para outro estado brasileiro nos anos 50 do século passado, sem autorização da comunidade. Simplesmente primeiro se suprimiu anos antes do altar mor substituindo-a pela de Nossa Senhora das Graças, e depois quando o povo estava distraído nossa Imagem viajou embora. Temos esperanças de um dia reavê-la.

Encontramos em um documento da própria Paróquia Sant’Ana de Abranches, o jornal publicado no ano do centenário de construção do seu templo, na página 03 traz a seguinte redação: “FESTA DE SANT’ANA: No dia 26 de julho de 1964 foi realizada a festa da Padroeira da Paróquia; e pela primeira vez depois da missa solene, celebrada pelo Mons. Pedro Fedalto, foi feita a grande procissão motorizada com a imagem de Sant’Ana e São Cristóvão”. Portanto, considerando que em 2020 não houve festa devido a pandemia, este ano faremos a 57ª Festa conjunta, com os dois “oragos”.

É uma questão de demonstração de cultura, de respeito com a história, submeter-se aos fatos que já aconteceram mesmo sob outras lideranças, quer passado um século ou mais, para não se ficar criando novos eventos sem respeitar tradições ou costumes daqueles que nos precederam.

Ao me declarar como católico apostólico romano e praticante, fecho esta matéria com uma reflexão: É demonstração de fé, de devoção, de respeito com a simbologia das imagens levadas à frente de uma carreata, sim, carreata, onde um piedoso sacerdote vai se equilibrando desconfortavelmente, acolitado por uma dezena de auxiliares, seguidos de centenas de automóveis sem nenhum respeito por onde passam, buzinando, ouvindo músicas profanas em seus veículos, além de causarem um tremendo reboliço no trânsito? Não seria muito mais devocional uma procissão com hinos de louvor aos Santos homenageados, andores aos ombros e em caminhada pelas ruas do entorno da Igreja?

Não tentem me convencer que hoje há maior participação do que no passado, porque há uma descrição de um jornal, com foto, inclusive, que nas festas do início do século XX estacionavam nos terrenos próximos à Igreja de Sant’Ana mais de quinhentas carroças, e se calcularmos pelo menos três pessoas por veículos já teremos mais de 1.500 pessoas na festa. A igreja enchia-se com mais de 500 pessoas, porque como não havia bancos, todos em pé e em respeito pelo sacrifício que estavam fazendo, cabia muito mais fiéis. Me dirão, ah, mas a “procissão motorizada” é para a bênção dos automóveis, motos, caminhões e carretas. Ótimo, parabéns pela “devoção”. Então por que não se faz a procissão com andores aos ombros e após esta devoção, os clérigos abençoarem os veículos que passam defronte as imagens, postas em andores ao lado da igreja, em respeito, com os condutores e acompanhantes se persignando e ouvindo a bênção proferida?

Há anos venho registrando imagens muito preocupantes, e posso disponibilizá-las a quem pedir. Os demais transeuntes motorizados da vizinhança, das ruas obstruídas pela passagem da “procissão motorizada”, xingam, ridicularizam e proferem impropérios, porque não tem nada a ver com a nossa “fé”. As pessoas que vão sobre a caminhonete com as imagens, boa parte, vão apenas se divertindo e acenando para amigos que se cruzam pelo caminho, sem nenhuma devoção ou respeito pelo que está acontecendo. Na Igreja das Mercês acontece sempre bênçãos de automóveis e sem carreata. Em outros lugares se faz procissão com andores aos ombros e o povo considera válido. Por que nós precisamos fazer este espetáculo? A quem estamos prestando devoção, afinal? Ao nosso ego ou aos Santos que estamos a seguir?

Entendemos que a festa é de Sant’Ana, nossa padroeira, logo, com novena, missa solene, procissão com andores aos ombros, e uma grande confraternização comunitária no salão paroquial, seria o mais condizente. Reflitamos confrades, e não tenhamos medo de mudanças.

 

Por Volnei Lopes da Silva, historiador.

 

Deixe uma resposta

Next Post

FAMÍLIA WEIGERT - PARTE I

O antigo moinho da família Weigert, construído aproximadamente em 1890, está localizado às margens do Rio Barigui na divisa dos municípios de Curitiba e Almirante Tamandaré e durante muito tempo foi procurado por aqueles que precisavam de farinha de milho. Hoje, esta imponente edificação, não desempenha mais sua função original, […]
%d blogueiros gostam disto: