FAMÍLIA LAGO, A PRESENÇA ITALIANA NA COLÔNIA ABRANCHES-CURITIBA

Residência construída por Prodócimo Antonio Lago e restaurada por seu neto Itamar Chequin, onde vive atualmente.

Final do século XIX, com a Itália passando por todas as crises de recente unificação territorial e marchando para mudanças administrativas e fundiárias. Ingredientes perfeitos para forçar a migração de várias famílias com muitos filhos e pouca terra para produzir inclusive o sustento.

Este é o contexto que se encontrava a família de Antonio Lago, 45 anos, e sua esposa Maria Zanon, que moravam na Via Chiesa, do pequeno Município de Rosà, na Região Metropolitana de Bassano del Grappa, Província de Vicenza, Região do Vêneto, Itália, em outubro de 1891.

O casal teve sete filhos, mas devido as difíceis condições em que viviam, quatro faleceram ainda muito cedo, tendo sobrevivido Victória, nascida aos dezessete de junho de 1879, Prosdocimo Antonio, nascido aos 28 de janeiro de 1884 e Marco, nascido aos 04 de junho de 1886. Então não restou outra solução para os corajosos Antonio e Maria, do que partir “per fare l’America”, seguindo os passos de milhares de compatriotas seus, conhecidos ou não, que desde 1870 migravam com o sonho de fazer fortuna com a produção agrícola na América, porque a propaganda enganosa só dizia In América e o sonho deste povo simples era a América do Norte, naturalmente, pois não tinham noções de história e geografia pelo pouco estudo, ou nenhum.

O Governo Imperial brasileiro, e posteriormente os republicanos usaram do mesmo estratagema, que foi confundir os europeus insatisfeitos e pobres, subvencionando as suas viagens e pagando regiamente a empresas colonizadoras, que eram muito parecidas aos antigos traficantes de escravos, para espalharem farta propaganda entre o povo mais simples, semi-alfabetizado. O mais conhecido e famoso cartaz da época dizia: “… In America. Terre in Brasile per tutti Italiani. Nave in partenza tutte le settimane dal Porto de Genova. Venite a construire i vostri sogni com la famiglia. Um paese di opportunitá. Clima tropical e vito in abbundanza. Ricchezze minerali. In Brasile putete havere il vostro castello. Ilgoverno dá terre ed utensili a tutti.” Que em tradução livre seria: “Na América. Terras no Brasil para todos os italianos. Navios partindo todas as semanas do Porto de Gênova. Venha e construa seus sonhos em família. Um país de oportunidades. Clima tropical e fartura de comida. Riquezas minerais. No Brasil você pode ter sua própria mansão. O governo dá terras e ferramentas para todos”.

A família de Antonio Lago, composta do patriarca com 45 anos, a esposa Maria Zanon, e os filhos Victoria, 11 anos, Prosdocimo Antonio, seis anos e Marco com 4, vendeu o pedacinho de terra, os animais e ferramentas agrícolas que tinha e se mandou para o “Paraiso”, dia 27 de outubro de 1891, via Porto de Gênova. Fez a quarentena regulamentar na Ilha das Flores, Rio de Janeiro, chegou ao nosso estado, via Paranaguá. Após uma breve permanência em Morretes, onde não se adaptaram, subiram a serra do mar, de trem, em dezembro do mesmo ano, chegando em Curitiba e logo foram à procura dos patrícios e conhecidos desde o Vêneto na Itália, para se instalarem por aqui.

E assim, na região do Bairro Taboão, próximo ao Rio Barigui, em dezembro de 1891, a família Lago inicia a sua saga e a descoberta da realidade. Foram hospedados inicialmente pela família Rissato, que já estava instalada e tinha uma casa grande, morando durante um período no porão destes, até que conseguissem o seu pedaço de terra também. Contam os familiares, que os nonos sempre repetiam que no início se alimentavam inclusive aproveitando o soro de leite do fabrico de queijo dos seus anfitriões, porque dinheiro para o leite in natura não tinham. Lembram daquela propaganda que falava em fartura de comida?

Após muito trabalho e economia, com os filhos já adolescentes ajudando, Antonio, que trouxe da Itália o apelido “Penna”, em português, caneta, desde o seu pai, Prosdócimo, compra o próprio pedaço de terra na Colônia Gabriela, se dedicando à criação de pequenos animais, vacas de leite, plantação de grãos, parreira para produzir vinho, e finalmente começam a conhecer a fartura de comida.

Com os filhos adultos e casando-se, Victória com Sergio Ricetti, de tradicional família de italianos que viviam no Bairro Cajurú, imediações da atual Sociedade Morgenau e para lá também se mudou, inclusive. Dizem os Lago, que naquele tempo era tudo tão difícil, que, quando adoecia um membro da família que morava no Taboão, ia hospedar-se na casa da Victória e Sergio, para buscar tratamento médico, pois além de viverem bem mais perto da cidade, tinham bastante recursos financeiros, mas cada viagem de carroça até lá era uma epopeia, de tanto que demorava.

Sergio Ricetti e Victoria Lago

Logo, na primeira década do século XX, também se casam Prosdócimo Antonio com Amalia Gusso, dia 22 de fevereiro de 1908, e Marco com Amalia Antoniacomi, filha de João Baptista Antoniacomi, dia 05 de setembro do mesmo ano. Os filhos então compram parte da propriedade da família Rissato, que havia lhes hospedado há anos passados, constroem boas casas para si, mais uma casa bem confortável para o casal de pais, que já idosos não poderiam ficar sozinhos na Colônia Santa Gabriela e em parceria, passam a cultivar a antiga e a nova propriedade, cada qual com suas culturas.

Marco e Amalia conceberam 17 filhos, mas tiveram a desdita de perder vários ainda crianças, acometidos de febre tifoide, bem comum na região no início do século XX. Ao perder também a esposa bem jovem, casou-se novamente com a também viúva, Maria Fabri, ao lado de quem terminou os seus dias, em junho de 1964.

O ítalo curitibano, Marco “Penna” Lago, dedicou-se à cultura de cereais, produção de vários alimentos de origem animal, como embutidos e queijo, para venda em Curitiba, além da exploração de uma pequena pedreira na propriedade do Taboão, onde extraiam e cortavam pedras para fornecerem aos construtores, que as utilizavam principalmente nos alicerces das edificações à época. Outra atividade bem rentável dos irmãos Lago, era a confecção de cadeiras de madeira, revestidas com palhas, taboa ou piri, tão farta nos brejos das margens do Rio Barigui na região que deu origem ao nome do Distrito e posteriormente Bairro, Taboão.

Os artesãos aproveitavam os dias de sol intenso para secar nos terreiros a colheita de taboa e os dias de chuva eram dedicados à confecção de cadeiras nos porões de casa ou paióis.

Marco Penna, como era conhecido, socialmente se caracterizou pela sua intensa alegria e participação na vida do bairro, nas festas de Igreja e Santas Missas em latim, à época ainda celebradas na Igreja Matriz Sant’Ana de Abranches, onde soltava o seu vozeirão de tenor nos cantos litúrgicos na laidainha. A voz do Marco era tão forte, que dizem, quando ele estava na roça na Gabriela, de lá chamava os familiares que viviam no Taboão, para lhe levarem o almoço em dias que o serviço estava apurado. Seus hábitos bem italianos eram marcantes inclusive nas refeições, o desjejum era feito com polenta “brustolada” (tostada na chapa de fogão a lenha) acompanhadas com queijo e vinho, e no inverno gostava de café puro com um pouco de graspa (destilado da casca da uva, de alto teor alcoólico).

Os filhos iam à escolinha próxima ao Rio Barigui, daquelas de uma sala apenas, com alunos do 1º ao 4º ano, juntos e recebendo aulas simultaneamente. Sobre a professora, diz-se que vinha de carroça desde Curitiba, permanecendo na Colônia até sexta, hospedando-se nas casas das famílias da região, até retornar à cidade aos finais de semana. As crianças eram educadas desde os 9 ou 10 anos ajudando nas tarefas de casa, como conta uma das suas filhas, Almelina, que com nove anos e tão pequena, para fazer a polenta e levar à roça aos irmãos mais velhos e os pais, precisava subir em um banquinho. Uma das lembranças mais agradáveis da filha, ainda é o aroma marcante da bela polenta sobre o “panaro”, cortada com fio de linha e saboreada com queijo e café com leite.

Dos seus descendentes, ainda muitos vivem na região, em parcelas remanescentes da propriedade do Taboão.

Por seu lado, Prosdócimo Antonio Lago e sua esposa Amalia Gusso, tiveram 11 filhos, que foram se casando com descendentes dos imigrantes que viviam pela Região Norte de Curitiba, mas participavam mais ativamente da vida religiosa da Paróquia São Marcos no Pilarzinho, pela influência da presença de muitos italianos naquela colônia.

Também agricultor, artesão e moveleiro, por sinal deixou um estilo próprio de móveis rústicos e resistentes, produtor de pedras para serem usadas em calçamento de ruas e construção civil. Criou os filhos todos com a educação rígida dos imigrantes italianos. Cultivou até os últimos dias de vida, o hábito de saborear um bom vinho crioulo junto das refeições, inclusive para matar a sede não deixava de misturar uma dose de vinho tinto à água sorvida.

Logo após a sua morte, ocorrida dia 26 de março de 1968, Prosdócimo mereceu uma grande homenagem do então Vereador Enéas Faria, que nomeou uma das principais ruas do Bairro Abranches, a qual vai dos fundos do Cemitério até a ponte de divisa municipal com Almirante Tamandaré, no Bairro Taboão. Pena que os redatores da Lei em questão erraram ao nomear a rua, chamando-a de “Prodócimo Lago”, e não foi observado durante o trâmite, deixando esta anomalia para a posteridade.

Uma de suas filhas, Marcolina, casou-se com José Gasparin, morador do outro lado do rio, no dia 23 de setembro de 1939. O casal então, após muito esforço e trabalho, comprou um terreno na atual Rua Mateus Leme, 5760, porque ali também José, mais conhecido como Beppi Gasparin, montou a sua fábrica e comércio de calçados, a qual manteve até os anos 70 do século passado.

Emma, casada com Ricardo Chequin, descendente dos colonizadores da Colônia Santa Gabriela, permaneceu junto com os pais e acabaram adquirindo as terras e a casa construída por Prosdócimo no início da vida matrimonial, no Bairro Taboão. O caçula, Zonor, também se casou com uma filha da Colônia Gabriela, da família Gasparin, a bela “ragazza” Laura. Quando fizemos a entrevista com os familiares, registramos a presença de duas noras do Prosdócimo e Amália, ainda vivas, no caso a 3ª geração da família de imigrantes italianos, Laura e Teresinha, que foi casada com Abílio.

O caçula Zonor, ladeado pelos pais, Amália e Prosdócimo, na varanda da cozinha da residência.

Nota: Participaram da entrevista para colheita de dados para esta matéria, Ronaldo Lameck e Clair Blum, netos de Marco Lago, e Cezar Augusto com sua filha Angela, Itamar Chequin e Juarez Serenato, netos e bisnetos respectivamente, de Prosdócimo Antonio Lago. A entrevista aconteceu na própria casa construída por Prosdócimo.

Colaboração: Volnei Lopes da Silva, historiador.

Galeria de fotos:

Residência da filha do Prosdócimo, Marcolina e seu esposo Beppi Gasparim na Rua Mateus Leme 5760
Bicicletaria Lago, dos irmãos Cezar e Joel. Há mais de meio século na Rua Anita Garibaldi, 2196
Antonio Lago e Maria Zanon com os filhos, Victória, Marco e Prosdócimo.
Juarez, Cezar, Angela, Ronaldo, Itamar e Clari, netos e bisnetos de Marco e Prosdócimo, diante do paiol centenário da família.
Marco Lago e Esposa

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